OS ESCRIBAS

Letras que se confundem em histórias de instantes que passam a correr pelas vidas passadas e futuras, reais e imaginárias, ditas e escritas pelas mãos que imprimem em cada tecla, a vontade, o desejo, a emoção e o interminável percurso labiríntico de quem escreve por prazer.

21 março 2011

O REI

I
Sócrates não desiste de honrarias!...
Parece até julgar-se um imortal,
Que nem no Fim do Mundo tem final...
Cada vez mais se apega às mordomias!...

Pode agravar-se o seu estado mental
E cobiçar mais altas regalias:
Ser Rei um dia!... Mas surgem-lhe arrelias:
Não pode usar coroa... a que é Real:

Foi esta oferecida à Mãe de Deus,
Por um dos nossos réis em gratidão
Por mercês alcançadas lá dos Céus.

Jamais os nossos réis ostentarão
A Coroa Real. E só os ateus
Podem cair, enfim, na tentação,

II
De usurparem à Virgem a coroa...
Se o ataca a ânsia de realeza,
Usurpa-Lhe a Coroa com destreza,
Pois, na sua vaidade, ele age à-toa...

Quando fala não usa de franqueza;
A sua voz a falso nos ressoa:
Promessas que não trazem coisa boa...
Só de azares nos dão grande certeza.

Se lhe cresce a arrogância dia a dia;
Se cobiça mais alto pedestal,
Usurpa a Coroa à Virgem Maria

E, assim, atinge o seu grande ideal:
Forma, ele, uma nova Dinastia,
Coroando-se: Rei de Portugal !...


Porto, 13 - 3 - 2011
Ana Lopes Vieira

20 março 2011

Iremos pagar IVA por cada Aniversário, na CRISE ?!...

I
Um NATAL só de CRISE e indigência!...
Há grande discussão no Parlamento!
Fazem até um grande pé-de-vento
Contra a tirana: DONA INCOMPETÊNCIA!...

Nem a TV se cala um só momento:
Fala um... fala outro... há divergência...
Entram mesmo, alguns, em turbulência,
Agoirando um futuro de tormento!...

E em cada aniversário, haverá IVA ?...
Ai de nós... já há tantos anos vivos,
Sempre em actividade construtiva.

O Estado vê nos IVAs atractivos!...
Para o mais idoso, é CRISE aflitiva:
Se nos fazem pagar... retroactivos!...

II
IVA em cada NATAL?... É coisa atroz!...
Vem dar-nos um desfalque nas poupanças,
E podemos perder as esperanças
De voltar aos convívios... só de avós.

Lá se vão jantaradas e festanças...
Quem é legislador SÓ VÊ OS PRÓS,
A favor deles... Não zelam por nós...
Para nós, tudo são inseguranças...

Vem Bruxelas ditar-nos duras leis?...
Nas nossas algibeiras, já furadas,
Não irá encontrar... nem cinco réis...

Nações credoras ... não serão lesadas:
Levam dos nossos dedos... sem anéis...
As unhas, ai, que já nem são pintadas...


Porto, Dezembro, 2010
Ana Lopes Vieira

18 março 2011

Odisseia na Troca de Casacos

I
Um bom almoço alegre de Natal,
Aonde cada alma contraria
Revezes que lhe dão melancolia,
Enfrentando-os, a sério, em festival...

Não importa se o frio é uma arrelia!...
Também nos defendemos desse mal,
Com roupas de fazenda ou de animal...
De fazenda é o casaco que eu vestia,

E deixei-o a guardar no vestiário.
Quando, na despedida o fui buscar,
Não vi o meu casaco no armário!

A sua fuga deu bem que cismar!...
Quantos a lamentar o meu fadário:
"Sem casaco, vai mesmo enregelar!..."

II
Logo alguns me emprestavam roupa quente,
Mas eu não tinha frio e recusava;
A que eu tinha vestida me chegava.
"SOBRAVA UM CASACO!..." De repente,

A semelhança quase me enganava...
No feitio e no tom, vi, claramente,
Que houve ali distracção muito evidente!...
Mas de homem: o casaco que sobrava!

Quem seria, afinal, o distraído
Que leva o meu casaco em vez do seu?
Se o vestiu, ter-lhe-à, mesmo, servido?...

Alguém, lá no hotel, esclareceu:
"Pode levá-lo sem o ter vestido...
"Da troca ainda não se apercebeu..."

III
Era a doutora Dália e o seu marido,
E colegas, ainda ali presentes,
A porem-me nas castas roupas quentes.
Mas o frio, por mim, não é temido.

Todos com gentilezas persistentes:
"Lá fora está um frio desabrido!...
"Não vá assim, com tão fresco vestido,
"Para um frio que faz bater os dentes!..."

Eu, que não temo o frio, recusava,
Agradecendo cada gentileza...
Insistiam: que o frio me constipava...

O doutor Mário, em gesto de nobreza,
Dá-me transporte, que eu mal recusava...
Aceitei, na apatia da incerteza...

IV
Incerteza de achar meu casaquinho...
Pois era mesmo estranha a confusão!...
Voltaria o casaco à minha mão?...
Pensei em consultar um adivinho...

Mas, palpitou-me forte o coração,
Ao lembrar o bondoso São Martinho,
Que deu o seu casaco ao pobrezinho...
Mas, para santa, falta-me feição...

Vem-me logo outra ideia irracional:
Se dentro do casaco estivesse eu,
Assim, como um embrulho de Natal?

Quem o levou, de raiva ensandeceu:
Joga fora o embrulho, em ar brutal,
Vendo que tal embrulho não é o seu!...

V
Depois o telefone entra em acção:
Para uns... para outros... a indagar...
Nem sequer o hotel sabe informar
Quem deu ao meu casaco sumição!...

O tempo vai passando devagar...
E eu em casa, esperando a aparição
Do meu casaco, sem agitação:
Dizendo que ele havia de voltar.

Pensei no sobretudo que sobrou:
Para mim era largo: pano a mais...
Caberia no meu, quem o levou?...

Teima vesti-lo... sem caber!... Dá ais!:
"Como é que o sobretudo assim mingou?!...
"No almoço engordei?!... Comi demais?!!!...."

VI
Decide racionar bem as comidas!...
E contra a comezaina ele reponta:
"Um jejum rigoroso não me afronta
"E dá-me as elegâncias já perdidas."

O telefone vai de ponta, a ponta,
Sempre a fazer perguntas comedidas:
A saber quem tem roupas indevidas...
O distraído, assim, logo dá conta

Que a culpa... não está no que comeu...
Depois o telefone me informou:
"O seu casaco já apareceu!..."

O doutor Mário, enfim, desencantou
O casaco e à destroca procedeu.
Em paz, esta odisseia terminou.

Porto, Dezembro, 2010
Ana Lopes Vieira