OS ESCRIBAS

Letras que se confundem em histórias de instantes que passam a correr pelas vidas passadas e futuras, reais e imaginárias, ditas e escritas pelas mãos que imprimem em cada tecla, a vontade, o desejo, a emoção e o interminável percurso labiríntico de quem escreve por prazer.

30 dezembro 2007

A fotografia


Eu tinha umas asas brancas,
asas que um anjo me deu.
Que em me cansando da terra,
bati-as voava ao céu.
(Almeida Garrett)
Como me lembro de ter sido "anjo por um dia"!
Na vila de Vagos tínhamos uma casa grande com uma quinta.
Viver na cidade encarceradas, aperaltadas, sem arranhões nas pernas e as mãos e unhas sempre lavadinhas, o fugir daqui era a liberdade, gozar a natureza, e poder estar loge dos olhares fiscalizadores dos adultos.
Na festa do Espirito Santo realizava-se uma ingénua procissão, com andores enfeitados, os membros da confraria compenetrados a ladear o cortejo, a banda de música de reluzentes instrumentos, vaidosa no seu fato azul de botões dourados e as ruas atapetadas de rosmaninho e pétalas de flores, que se enfiavam nas minhas sandálias de sola de cartão.
Tinha 5 anos e aí fui eu, de cetim vestida, grinaldinha de flores, e nas mãos, segura sem vacilar, empunhava uma cruz. Ainda hoje lembro o peso das enormes asas de penas brancas apertadas com atilhos por baixo dos meus magricelas braços. Eram o meu orgulho e a minha glória! Valeu a pena.
E as minhas asas brancas,
asas que um anjo me deu
pena a pena me cairam,
nunca mais voei ao céu!
(Almeida Garrett)

5 Comentários:

Blogger patricia disse...

Que bela fotografia! Parece uma memória viva, andante.

O texto está belíssimo e mostra como os tempos mudaram em tudo. É sempre tão bom ler e ouvir estas histórias, estas memórias vivas e marcantes.

As suas asas são brancas e sempre que escreve pode acreditar que voa ao céu e conquista pena a pena uma nuvem de cada vez.

***

11:25  
Blogger zevalebom disse...

Bem me parecia que essa sua escrita tinha a ver com a inspiração de algum anjo.....agora já percebi
Um beijinho da Zé

21:14  
Anonymous Anónimo disse...

Hoje são outras as suas asas...
que nos levam para os céus
das nossas longínquas memórias.

Gostamos muito

Joana e Joaquim

01:21  
Anonymous Anónimo disse...

as tuas asas não cairam..... e...se alguma vez isso aconteceu tu deste a volta e colaste-as com a "cola tudo" . Está uma fotografia girissima!


Gabriela

17:53  
Anonymous Anónimo disse...

Como me recordo desses tempos. Eu tambem fui um anjo!Na realidade na provincia tudo era mais puro. Parabens!

a fotografa

19:04  

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